Raramente, desde os anos 90, a Espanha é palco de uma grande corrida de Fórmula 1. Além de ser utilizado para testes das equipes durante toda a pré-temporada, o circuito de Montmeló praticamente não possui pontos de ultrapassagem. O resultado? Provas monótonas e previsíveis, com raros lances de emoção.
Mas nem sempre foi assim. Na estréia do circuito catalão, em 1991, a exibição foi de gala. Uma corrida que podia decidir o título, movimentada e cheia de alternativas. E, de quebra, com lances antológicos.
O GP da Espanha daquele ano era a antepenúltima prova do campeonato, disputada em setembro. Nigel Mansell e Ayrton Senna brigavam pelo título, com grande vantagem para o brasileiro. Com 24 pontos atrás na tabela, um simples abandono de Mansell definiria o campeonato a favor do piloto da McLaren. O inglês não poderia, também, chegar abaixo do terceiro lugar. E, se fosse segundo, Senna teria de chegar abaixo do quarto posto para que o título continuasse em aberto. Em resumo: para o Leão, era vencer ou vencer.
Nos treinos, Gerhard Berger marcou a pole position. Mansell foi o segundo e Senna, o terceiro. A estratégia da McLaren para a corrida era deixar Berger fazer as vezes de coelho, disparando na ponta, enquanto Senna, largando do lado limpo da pista, tentaria pular na frente de Mansell e segurar o ritmo. O inglês sempre foi instável psicologicamente e o time de Ron Dennis jogava com isso. A intenção era deixar o adversário nervoso ao perceber Berger desgarrando na frente e forçá-lo a um erro. Conhecendo Mansell, era um cenário bem provável.
Chega o dia da corrida e uma fina garoa cobre o Circuito da Catalunha desde cedo. Na hora da largada, a pista permanece úmida, fazendo com que todos saiam com pneus de chuva. Ao acender das luzes verdes, tudo ocorre tal qual o script da McLaren. Berger pula na ponta e Senna arranca muito bem, tomando o segundo lugar de Mansell. Melhor ainda: algumas curvas depois, o atrevido Michael Schumacher, em apenas sua quarta corrida de Fórmula 1, não toma conhecimento da Williams do Leão e o ultrapassa também, assumindo o terceiro posto.
Mas Nigel Mansell estava inspirado, mesmo com um tornozelo machucado depois de uma partida de futebol na sexta-feira. Manteve a calma, ficou mais uma volta atrás de Schumacher e recuperou a posição logo depois. Enquanto Senna segurava o ritmo e permitia que Berger abrisse oito segundos na frente, o inglês foi à caça. Na abertura da quinta volta, uma cena que se tornou antológica. Mansell entra na reta embutido na McLaren de Senna e tira para o lado interno para tentar a ultrapassagem. Os dois descem a reta de quase 1km do circuito lado a lado, praticamente tocando rodas, até que, na freada, o inglês leva vantagem e assume a segunda posição.
Porém, o belo lance não foi decisivo para história da corrida. Cinco voltas depois, Senna e Mansell param juntos para colocar pneus slick. A McLaren trabalhou melhor, devolvendo o brasileiro à pista na frente do inglês. As posições estavam novamente invertidas.
Berger também já havia parado e caiu para segundo, entre Senna e Mansell. Mas a McLaren preferiu não modificar sua estratégia e, na passagem seguinte, o brasileiro fez sinal no meio da reta e permitiu a ultrapassagem do companheiro, como que dizendo: "vai, coelho!".
Ayrton voltou a segurar Mansell, mas sua autosuficiência nem sempre era suficiente. Na última curva do traçado, escapou na pista molhada e ficou atravessado na área de escape. Conseguiu retornar à prova, mas encheu a pista de brita e já havia caído para a sétima posição, perdendo qualquer chance de voltar a brigar pela ponta. Seu objetivo, a partir de então, era chegar em quarto lugar, contando com uma vitória de Berger para garantir o tricampeonato mundial.
Mas Mansell não estava deixando barato e partiu para um novo ataque sobre uma McLaren, agora para assumir a liderança. A diferença, que era de apenas quatro segundos, foi caindo rapidamente. Na volta 17, o inglês coloca por dentro na curva 4, escorrega de lado, faz Berger escorregar também e consuma uma linda ultrapassagem, com os dois carros derrapando na pista ainda úmida. Schumacher tentou tirar proveito para roubar o segundo lugar do austríaco, mas perdeu o controle de sua Benetton e acabou atolado na lama.
Restavam 48 voltas para o fim e a McLaren ainda contava com uma reação de Berger, mas seu carro foi perdendo rendimento até o austríaco encostar nos boxes, com pane elétrica. O sonho do tri de Senna ficava adiado.
Dali para a frente, Nigel Mansell passou a controlar a diferença para a Ferrari de Alain Prost, que herdara o segundo posto depois do abandono de Berger e dos erros de Senna e Schumacher. Lá atrás, Senna era o terceiro e se degladiava com Riccardo Patrese e Jean Alesi, mas cedeu as duas ultrapassagens, cautela um tanto incomum em sua carreira. O brasileiro preferiu não arriscar e garantir alguns pontos, pois sabia que, qualquer que fossem, tornariam sua situação muito cômoda para ser campeão no Japão.
Depois de 65 voltas, Mansell recebe a bandeira quadriculada em primeiro lugar, numa das mais difíceis vitórias de sua carreira. Com o resultado, adia a decisão do campeonato e mantém-se vivo por pelo menos mais uma corrida. Senna cruza em quinto e passa a depender de apenas mais cinco pontos em duas provas para confirmar o título, sem depender de resultados paralelos.
Em Montmeló, Mansell foi um verdadeiro anti-Mansell, com uma rara exibição de inteligência, sangue frio e autocontrole. Escapou das armadilhas de seus adversários, mas não por muito tempo. Em Suzuka, três semanas depois, a McLaren se utilizou da mesma estratégia do GP da Espanha para bater o inglês. Berger disparou na ponta e Senna ficou em segundo, controlando o ritmo. No desespero em tentar tomar a posição, Mansell afobou-se, rodou sozinho no final da reta e entregou o campeonato para Senna. O Leão voltava a ser o Leão.
Atualização: Há ótimo um resumo da corrida, em português, no Youtube.Etiquetas: Ayrton Senna, Gerhard Berger, GP da Espanha, História, Nigel Mansell |