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3 de setembro de 2007
Aversão ao risco
Postado por Capelli às 02:00
Não é de pouco tempo que todo mundo reclama da falta de ultrapassagens na Fórmula 1. Há muito se fala que não há mais tantas corridas emocionantes, que os resultados são previsíveis e que só se ultrapassa pelos boxes. Nem mesmo a temporada de 2007 tem servido para melhorar o ânimo dos fãs. Embora a disputa pelo campeonato esteja apertada na tabela, a mais imprevisível em vinte anos, nem de longe isso vem se refletindo em um campeonato de boas corridas.

A discussão ebuliu um pouco mais nos últimos dias, com excelentes textos de Fábio Seixas, Alessandra Alves e Victor Martins sobre o assunto. Todos vão direto ao ponto: o regulamento esportivo que não privilegia a vitória, o conseqüente comodismo dos pilotos com uma posição que já lhes garanta pontos suficientes, o regulamento técnico que impede as ultrapassagens. Tudo é muito verdadeiro, mas aproveito para acrescentar um novo viés que julgo dos mais importantes: a aversão ao risco.


Copa 2006 teve recorde de chutes de fora da área e baixa média de gols

No futebol, também se fala há anos que o esporte virou um duelo de força, que
a técnica já não se sobressai mais, que os jogos não são mais tão belos quanto antigamente. No fundo, o mesmo problema: a pouca disposição em assumir riscos. Os times entram em campo preocupados em não levar gols em primeiro lugar; para daí, sim, atacar. Na Copa da Alemanha, houve um número recorde de gols marcados de fora da área. Tudo por causa da forte marcação e posicionamento das defesas, que impediam as jogadas pelo meio e de linha de fundo. A alternativa encontrada? Chutão. Uma hora entra. O São Paulo, atual líder disparado do Campeoanto Brasileiro, é o melhor time do país não porque sabe atacar de forma impiedosa. Mas sim porque se defende como ninguém.

Na Fórmula 1, a situação é um tanto semelhante. Todos buscam a vitória, mas não assumem grandes riscos para obtê-la. Se a posição atual na pista já é suficiente para o campeonato, não há motivo para arriscar chegar em primeiro. O segundo ou o terceiro já está de bom tamanho, corre-se com o regulamento debaixo do braço.

Mudar a pontuação resolveria a situação? Em parte, no momento em que a diferença entre o primeiro e o segundo colocados for grande o suficiente, a vitória passa a ser novamente tentadora. Mas talvez não seja suficiente.

Alterar o regulamento técnico para tornar as ultrapassagens algo mais natural, que não exija um esforço de outro mundo, melhoraria o panorama das corridas? Um pouco, quem estivesse rendendo melhor teria mais chances de vencer o carro mais lento à frente. Mas isso garantiria um show de ultrapassagens? Tenho minhas dúvidas.

Por mais que retornassem os pneus slicks, o reabastecimento fosse proibido e a aderência mecânica voltasse a ser mais importante que a aerodinâmica, dificilmente as corridas seriam tão empolgantes como foram em outros tempos. Tudo por um motivo principal: a Fórmula 1, assim como o mundo, evoluiu.

Muito da competitividade existente no passado devia-se à irregularidade dos competidores. Fosse a instabilidade técnica do piloto, fosse a infiabilidade do equipamento. Para quem já viveu a Fórmula 1 de outras épocas, a lembrança é bastante nítida. Não raramente um piloto largava bem, disparava na frente, mas destruía seu equipamento e passava a arrastar-se do meio da prova em diante. Outras vezes um piloto cansava e, por isso, começava a cometer erros. Outras vezes, o carro começava muito rápido, depois perdia desempenho, mas no final voltava a ser uma flecha e corria em direção à vitória. No meio de todo o sobe-e-desce, ultrapassagens e resultados imprevisíveis.


Renault em 1980: muita velocidade, nenhuma confiabilidade

Se a Williams não sofresse problemas e falhas em 1986, a temporada não teria sido quase que um passeio monótono dos carros do Tio Frank? Se a Renault de 1980, que colocava quase um segundo na concorrência durante os treinos, tivesse processos que garantissem um desempenho contínuo durante as provas, Jones e Piquet teriam chance de brigar por aquele campeonato?

Colin Chapman, tido como o maior gênio da Fórmula 1, teve idéias fantásticas que aplicou nos Lotus 72 e 79, carros que revolucionaram o esporte a motor. Mas fracassou miseravelmente com os Lotus 56 e 80, permitindo a escalada da Tyrrell e depois, da Williams. Se os processos e o desenvolvimento tecnológico e de gestão o tivessem guiado, teria ele colocado projetos tão absurdos em prática, jogando por terra o sucesso de anos anteriores? Certamente não, e os anos 70 poderiam ter sido de hegemonia negra e dourada.

São apenas alguns exemplos, mas que ajudam a ilustrar um período no qual o risco assumido de forma inconseqüente garantia a imprevisibilidade das corridas. Quando tudo já está previsto: estratégias, acertos, ritmo... para onde vai a competitividade?

Como "ápice da tecnologia automobilística", maneira como os organizadores da Fórmula 1 adoram se autodefinir, o profissionalismo entrou de cabeça na categoria. Tanto em termos tecnológicos quanto de gestão. Falhas mecânicas são raras. Semana passada, em Istambul, apenas a Red Bull de Mark Webber abandonou a corrida, mesmo sob um calor infernal. A McLaren igualou seu recorde de confiabilidade, já são doze corridas sem falhas mecânicas em qualquer de seus carros. Michael Schumacher, até o GP do Japão do ano passado, viveu mais de cinco anos sem saber o que eram defeitos em seu carro. Em 2005, o GP da Itália chegou ao final com todos os 20 carros que largaram cruzando a linha de chegada.


Monza/2005: quem largou, chegou

Tudo é resultado do alto nível de gerenciamento de risco adotado pelos dirigentes. Nenhuma peça nova é utilizada em um carro sem que tenha passado por processos rigorosos de controle de qualidade, simuladores testam e orientam os engenheiros quanto às melhores estratégias de corrida, os pilotos preparam-se de tal forma que possuem um vigor físico comparável ao de um astronauta. Um bon-vivant como James Hunt, que bebia, fumava, entregava-se a noitadas na véspera para, no dia seguinte, protagonizar disputas espetaculares, hoje seria inadmissível. Que dono de equipe assumiria tal risco, por melhor que fosse o piloto? Na contingência de tantos riscos, o piloto é o elo mais frágil da cadeia. É ele quem precisa tomar decisões e reagir fisicamente em milésimos de segundo. Você confiaria esta tarefa a alguém que passou a noite anterior bêbado?

O nível de controle que a categoria atingiu foi o que ajudou a destruir boa parte da competitividade. E é esta mesma mentalidade controladora e gestora de riscos que decide se os pilotos devem ou não arriscar uma ultrapassagem ou brigar por posição nas últimas voltas de uma prova.

Infelizmente, não há alteração de regulamento técnico ou desportivo que possa resolver uma contradição tão grande. A gestão de negócios, avessa ao risco por natureza, foi aplicada a um esporte que tem o risco como seu principal ingrediente. Quando o método de gerenciamento aplicado visa evitar justamente aquilo que é a essência do esporte, uma coisa leva à eliminação da outra.

O caminho é sem volta. As mudanças de regulamento, que todos sabemos que urgem, provavelmente tornariam a Fórmula 1 um pouco menos chata e previsível. Porém, jamais teremos novamente aquele festival de imprevisibilidade que nos deixava com a respiração presa até a última curva, sabendo que antes da bandeira quadriculada tudo poderia acontecer.
 
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