Em 1999, a Malásia estreava como sede de uma corrida de Fórmula 1. O palco era o novíssimo e requintado autódromo de Sepang, construído por Herman Tilke, que viraria um referencial para a construção de novos autódromos a partir de então.
Era a penúltima corrida da temporada e Mika Hakkinen, Eddie Irvine, Heinz-Harald Frentzen e David Coulthard ainda brigavam pelo título mundial, beneficiados pela ausência de Michael Schumacher, que fraturara uma perna num acidente no GP da Inglaterra. Na prática, só Hakkinen e Irvine brigavam pelo caneco, os demais tinham apenas chances matemáticas.
Apesar da disputa intensa pelo título, as principais manchetes da semana que antecedeu o GP faziam referência à volta de Schumacher. Depois de três meses parado e de ter anunciado que só retornaria no ano seguinte, o alemão quebrou recordes da pista de Fiorano, mudou de idéia e resolveu tomar parte na briga pelo campeonato. Declaradamente, o alemão anunciava que estava voltando para ser segundo piloto de Eddie Irvine e para ajudar a Ferrari a sair da fila. Ninguém acreditou que ele fosse capaz. Mas ele foi.
O retorno do então bicampeão foi assombroso. Marcou a pole position com um segundo de vantagem sobre seu companheiro, com quem dividiu a primeira fila. Na corrida, largou na frente e logo abriu boa distância, deixando claro que tinha carro suficiente para disparar na ponta e vencer com facilidade. Irvine era o segundo, e então, na quarta volta, o jogo de equipe começou. Schumacher abriu e deixou o irlandês passar. A intenção era começar a segurar as McLaren para que o companheiro pudesse abrir vantagem, mas a estratégia não deu muito certo inicialmente. David Coulthard colocou seu carro por fora na curva um e ficou com a preferência para contornar o grampo seguinte. Deu um "chega pra lá" em Schumacher e saiu na frente, merecendo gritos de "olé".
Mas a alegria do escocês não durou muito. Algumas voltas depois, antes mesmo que conseguisse ir à caça de Irvine, seu carro parou com problemas na bomba de combustível. A partir daí, Schumacher passou a fazer o que queria. Começou a rodar num ritmo bem mais lento, segurando Mika Hakkinen de forma acintosa. O alemão contornava as curvas de forma tranqüila, no traçado, impedindo uma ultrapassagem do finlandês. Em algumas voltas, o alemão chegou a rodar quatro segundos mais lento que Eddie Irvine, mantendo Hakkinen atrás de si. Quando precisava, acelerava e se mostrava o mais rápido da pista. Mas quando necessário, voltava a bloquear o adversário, deixando o finlandês visivelmente irritado.
A McLaren errou ao não ter modificado a estratégia de pit stop e o Hakkinen não teve alternativas. Passou quase a corrida inteira preso atrás de Schumacher, enquanto Irvine disparava na frente para poder fazer seus pit stops e voltar ainda em primeiro.
Ao final, vitória do irlandês, que assumia a liderança do campeonato. Feliz da vida, Irvine chegou a declarar que Schumacher não era apenas o melhor piloto do mundo, mas também o melhor número 2.
Mas a história toda não termina por aí. Mais tarde, a prova foi cercada por controvérsias. Três horas depois da cerimônia do pódio, as duas Ferrari foram desclassificadas da corrida por irregularidades na altura dos defletores laterais. Assim, a FIA declarou Mika Hakkinen bicampeão mundial.
A Ferrari recorreu e, seis dias depois, o tribunal de apelações devolveu a dobradinha à equipe. O argumento dos italianos era que a diferença na altura dos defletores estava dentro da margem de erro permitida, além do fato dos equipamentos utilizados pelos comissários na medição não serem precisos o suficiente. Ganharam.
A devolução da vitória reabriu a briga pelo campeonato e a polêmica cercou aquele final de temporada. Para o bem do esporte, Mika Hakkinen venceu o GP do Japão e faturou o bi. Assim, qualquer suspeita de influência do tapetão na decisão do título foi evitada.
Este é o espaço no qual Ivan Capelli fala sobre automobilismo e alguns pormenores do cotidiano, com seu ponto-de-vista bastante particular. Além disso, toda terça-feira, uma charge sobre automobilismo.
Jornalista, 30 anos, um chato que dá pitaco em quase tudo sobre automobilismo. Além de manter este blog, Capelli colabora com o site Grande Prêmio, escreve uma coluna mensal no GP Total e co-produz e co-apresenta o podcast Rádio GP.